UMA POLÍTICA PARA A DEFICIÊNCIA
O primeiro ministro, no mês de Dezembro, com grande visibilidade, anunciou um vasto “Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiência ou Incapacidade”.
As associações dos deficientes consideraram o Plano apresentado pelo governo de “ambicioso” e “uma mais-valia” para a resolução de algumas dificuldades, mas manifestaram dúvidas quando à sua concretização.
“O Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiência ou Incapacidade”, que vigorará até 2009, define um conjunto de 95 medidas e acções que visam promover a reabilitação, a integração e a participação destas pessoas com deficiência na sociedade. É um conjunto de boas intenções.
Foi apresentado com larga cobertura mediática. Deseja-se que seja cumprido, que não seja mais uma promessa, ou uma operação de propaganda, para suavizar o impacto negativo das políticas de austeridade que têm sido a marca do governo.
O “Plano de Acção” merece alguns comentários daqueles que estão envolvidos, pelos sacrificados com situações de deficiência.
O Plano desenvolve-se em duas linhas bem definidas: educação e emprego das pessoas com deficiência.
Na educação, o Plano prevê acções que integrem a pessoa com deficiência na sociedade, como a introdução do programa de língua gestual nos ensinos Básico e Secundário, que irá abranger cerca de dois mil alunos surdos, e a reestruturação das escolas de educação especial, com a criação de 25 centros de recursos, entre outras medidas.
No emprego para os portadores de deficiência, o Plano promete a abertura de três “Centros Novas Oportunidades”, que façam o reconhecimento, validação e certificação das competências, a juntar aos três que já existem (em Vila Nova de Gaia, Lisboa e Setúbal), numa estratégia de formação para as pessoas com deficiência. E ainda a abertura de 400 estágios em empresas nacionais, com o objectivo de integrar no mercado de trabalho trabalhadores com deficiência.
Uma política coerente para a deficiência deve ter como prioridade a educação, dando ás crianças com deficiência na infância e em idade escolar todas as possibilidades de desenvolvimento, de reabilitação e de manutenção das capacidades disponíveis, para que na vida sejam menos dependentes, mais autónomas, mais libertas dos cuidados das famílias e da sociedade.
Para os adultos com deficiência, garantias de emprego para dignificar e valorizar as pessoas com limitações, para lhes dar independência, que as liberte das deprimentes exposições de rua, vivendo da mendicidade.
Para os portadores de deficiência com capacidade de autonomia, o Plano promete “cem lugares em 20 residências autónomas, entre 2007 e 2009”.
Nestes aspectos, o Plano promete alargar os apoios.
Mas para os portadores de deficiências mais incapacitantes, o Plano é insuficiente e não tranquiliza.
Como pai de um deficiente mental profundo, com incapacidade de 100%, dependente dos cuidados para as necessidades mais elementares da vida diária, como alimentação e higiene, a leitura e análise do Plano não descortinei nada que possa vir dignificar a vida deste filho nem suavizar os anos de sacrificíos e tranquilizar-me.
No que à deficiência profunda respeita, a coordenadora nacional para a Saúde das Pessoas Idosas e Cidadãos em Situação de Dependência, Inês Guerreiro, diz que há milhares de pessoas com incapacidades permanentes em situações lamentáveis e acrescenta que a “falta de respostas é enorme: existem apenas 123 lares residenciais para deficientes, com capacidade para 3763 pessoas”. No país!
Perante estes números, não chega dizer que se vai fazer, o andar depressa já é lento. E o drama é que a situação se está a agravar com o envelhecimento e a morte dos pais dos deficientes. Que tranquilidade pode haver quando há o perigo dessas “pessoas ficarem abandonadas”?
E não basta garantir lugares em lares estilo armazém. Inês Guerreiro alerta que as residências devem ter pessoal de enfermagem e de fisioterapia vocacionado para “manter as capacidades… com direito à reabilitação, massagens, treino cognitivo e de membros”. Mesmo “dentro de um problema de dependência, as pessoas têm de ter um projecto de vida”, acrescenta.
Ainda no que respeita ao Plano, surgem dúvidas. O governo disse “que ouviu 183 associações”. A Associação Portuguesa de Deficientes, a maior organização do país, disse “que nem uma das sugestões que apresentou foi atendida”.
No que respeita à educação, a situação nas escolas com alunos com deficiência incluídos, a situação piorou e degradou-se este ano lectivo. Houve redução de professores, de técnicos e de auxiliares. Professores com larga experiência ficaram sem colocação, outros colocados fora das suas especialidades.
No que respeita ao emprego para pessoas com deficiência, as leis do trabalho, as exigências de uma competitividade selvagem e desumanizada não deixam espaços para o trabalho das pessoas com incapacidades, com limitações. O lucro, a competitividade e a concorrência encarregar-se-ão de discriminar os menos capacitados. O Estado dá o exemplo. Nem o Estado cumpre as quotas que o Estado determinou.
No que respeita a pensões, como pode viver um incapacitado com 187 euros por mês? E um aumento de 23 cêntimos por dia?
Com estes valores, não deixaremos de ter portadores de deficiência nas ruas, exibindo membros amputados em situações que humilham os portadores e envergonham a sociedade, que nega aos incapacitados o sustento a que têm direito.
Manuel Miranda